Para os meus netos Vicente e Henrique
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen in 'O nome das Coisas'
Este poema resume o que a maioria dos portugueses sentiu à medida que se foi apercebendo que 'a liberdade estava
passar por aqui '.
Vivíamos num país sem liberdade. Politicamente não éramos livres de expressar a nossa opinião. As eleições eram uma farsa, onde quase só votavam os que concordavam com o regime. Só havia um partido político: a união nacional.
Portugal era um país que mantinha ainda as suas províncias ultramarinas, quando a maioria dos países europeus já tinham dado a independência aos povos que a reclamavam.
As províncias ultramarinas eram:
Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor e Macau.
Salazar governava o país quando a guerra pela independência começou em Angola, Moçambique e Guiné. Os militares foram convocados e várias gerações de jovens partiram para a guerra.
O vosso avô e o meu irmão estiveram 4 anos em Angola. Todos foram chamados. Alguns fugiram antes de serem chamados
A guerra parecia não ter fim. Os militares começaram a conspirar contra o regime. Queriam o fim da guerra e a liberdade para os povos das colónias e para Portugal.
Os militares estavam bem organizados e conseguiram combinar tudo em segredo
apesar da polícia política, a PIDE, estar muito activa e atenta.
Pela calada da noite a 25 de Abril de 1974 os militares quando ouviram a música 'e depois do adeus' e mais tarde 'a Grândola, Vila morena, que estava proibida de passar na rádio, abandonaram os quartéis e puseram-se a caminho de Lisboa, com os seus chaimites.
Quando acordámos soubemos logo que os militares tinham cercado Lisboa e tomado os locais mais decisivos para a vitória da revolta:
Ministérios, aeroporto, quartéis, rádios e RTP.
Nas rádios os militares pediam à população de Lisboa para se manter em casa, não saír à rua pois poderia haver uma contra ofensiva do regime em funções e ocorrerem mortos que queiram evitar a todo o custo.
Mas os lisboetas não obedeceram. Foi tudo para a rua na ansiedade de participar em algo único e irrepetível.
Era dia de trabalho. Liguei para a TAP. Não sabia se tinha que ir trabalhar. Um colega disse-me:
Não venhas! O aeroporto está fechado e há militares por todo o lado.
Não fui de manhã, mas à tarde não resisti e fui. Queria participar de alguma forma e ver com os meus olhos o que se estava a passar.
A população estava na rua a acarinhar os militares a oferecer sandes, fruta, sumos, leite... e cravos vermelhos.
Nem todos os militares aderiram. Alguns poucos, ofereceram resistência, mas acabaram convencidos e renderam-se. A PIDE também resistiu, mas acabou vencida.
O presidente do conselho de ministros
Marcelo Caetano foi enviado para a Madeira e depois autorizado a ir para o
Brasil. O presidente da República,
Américo Tomás acabou também por ser
autorizado a refugiar-se no Brasil.
Não foram julgados. Os militares não
queriam vinganças.
Os dias que se seguiram foram de festa colectiva com os militares no comando.
Aproximava-se o dia 1 de Maio, dia dos trabalhadores. Todos fomos chamados a uma grande manifestação. Nas ruas cheias de gente feliz, cantáva-se a Grândola, e outras canções de José Afonso.
Chegados ao estádio 1 de Maio sentei-me na relva. Entretanto ouviam-se assobios. Estava a entrar no recinto Mário Soares, o secretário-geral do partido socialista.
Ao meu lado sentada estava uma ex colega do liceu. Ela disse-me:
- Não concordo com os assobios. Não se tratam assim os convidados.
Fiquei revoltada.
- Nesta manifestação não há convidados. Todos temos o mesmo estatuto.
Era comunista. Sentem-se donos de todas as lutas sindicais.
Foi o início das grandes lutas partidárias.
E assim chegámos ao dia de hoje:
Em democracia, sem partidos políticos proibidos, com eleições livres, com liberdade de expressão e manifestação.
Já não há peças de teatro, filmes e livros proibidos. As canções podem tocar todas nas rádios, concertos e arraiais. As mulheres beneficiam de igualdade de direitos, que no antigo regime não tinham.
E ainda ...6 países, que falam português, atingiram também a liberdade e a independência, graças ao 25 de Abril .
Macau regressou à China pacificamente.
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Fernando Pessoa (poeta)